quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Cabeça de criança


História da (minha) infância*:

Férias com lançamento de filme de "Os Trapalhões" nos cinemas.
Crianças em alvoroço, e eu também, claro!

Tudo combinado: fim de semana, eu, minha irmã e meu pai íamos assistir ao tão esperado filme.

Mas, para variar, eu "traquinei"...
Briguei com minha irmã, quebrei algo, baguncei, desobedeci, etc.

Meu pai e minha mãe deram, então, o veredito:
nada de filme para mim.

Chorei, berrei e consegui uma concessão.
Meu pai foi com minha irmã ao cinema, mas, se eu me comportasse bem durante os próximos dias ganharia o direito de ir ver o filme no outro fim de semana.

Eu, óbvio, não me comportei em nada diferente do habitual,
mas a culpa paternal tratou sozinha de me levar ao cinema naquele dia tão aguardado.

Chegando ao cinema - esses ainda de centro de cidade - observei a enoooooorme fila que invadia as calçadas da rua.

Impressionada eu, então, comentei:
- Nossa, pai, quanta gente ficou de castigo!!!


* Para Clarisse

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Fofoca, chatice e Annie Hall


Hoje eu estava almoçando na Unicamp, numa daquelas lanchonetes de universidade nas quais as mesinhas ficam tão juntas umas das outras que, ou escutamos a conversa alheia, ou acabamos sendo escutados.

Juro que ainda tentei - um pouco - continuar assistindo ao Globo Esporte.
Estava realmente interessada em ouvir sobre a última rodada do Brasileirão, mesmo o Marcelinho Carioca Vira-Casaca tendo marcado pelo Santo André um gol de falta (bonito, confesso!) contra o meu Corinthians...
Bom, mas isso já é outro assunto!

Um homem e uma mulher, sentados frente a frente, falavam sobre trabalho.
Consegui entender que eles dois trabalhavam juntos em algum ramo administrativo da própria universidade.

Falavam muito dos demais colegas que não estavam presentes e, detalhe, sempre mal, muito mal.
Não só do trabalho exercido por eles, mas também, e muito, da vida pessoal de cada um destes colegas.

A cada novo nome "jogado para cima" a mulher afirmava com convicção:
- Não é querendo falar mal, mas...
E destilava sem pena o veneno contra os colegas de trabalho.

O interessante foi me ver sentindo como naquela cena de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Annie Hall, 1977), de Woddy Allen, na qual ele, na fila de um cinema com Annie escuta um cara monopolizando uma conversa com uma mulher, falando sem parar sobre os mais diversos temas pseudointelectuais; ou seja, um verdadeiro chato.

De repente, o cara faz uma afirmação garantindo estar baseado em algo dito pelo teórico da comunicação Marshall McLuhan.



O personagem de Woddy Allen, então, não mais suportando o chato que praticamente "cospe em seus ouvidos", se vira para ele e o encara, duvidando que aquilo seja mesmo uma frase de McLuhan.
Eles discutem e Woddy caminha, puxando o homem para fora da fila, indo dar de cara com um senhor no canto do cenário.

Woddy, então, apresenta o senhor: é o próprio Marshall McLuhan!

Questionado sobre se fez ou não a tal afirmação, McLuhan nega.
Ele diz ao chato:
- Você não sabe nada sobre meu trabalho.
Você nega toda a minha teoria ao afirmar algo assim!

O chato se cala e Woddy Allen, satisfeito, olha em nossa direção, dizendo:
- Como seria bom se na vida real também pudéssemos fazer assim, não?

Adoro essa cena!

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ontem e Hoje


"Eu acredito até hoje que quando os corpos dos amantes se unem, a terra treme."
Domingos Oliveira, em "Juventude"

Lembra?
Domingos Oliveira é o pai da Maria Mariana, autora do livro e da peça "Confissões de Adolescente" que deu origem a série de TV dirigida por Daniel Filho.
Além de pai dela e desde muito antes disso, claro, ele é dramaturgo, roteirista e diretor, tendo realizado obras no teatro, TV e, principalmente, no cinema.

O filme "Juventude" é a mais recente realização para o cinema de Domingos e teve uma sessão especial gratuita aqui em São Paulo no último dia 22.

"Juventude" foi captado em formato digital e é uma ficção com cara de verdade, na qual o próprio Domingos atua junto aos seus amigos Paulo José e Aderbal Freire Filho como três velhos amigos que vão passar alguns dias juntos e acabam revivendo essa amizade e os episódios de suas suas vidas em paralelo, repassando o passado e repensando o presente.

O primeiro filme realizado por Domingos é "Todas as mulheres do mundo", de 1966.
Este é, até hoje, o filme do diretor que conseguiu maior destaque - de crítica e público - em toda a sua carreira.


"Todas as mulheres do mundo" tem Paulo José e Leila Diniz (linda!) no auge da beleza e da juventude e, só por isso, já valeria vê-lo.
Além disso, o filme é, também, bastante divertido, uma comédia mesmo.

No documentário "Domingos", realizado pela atriz e - agora - diretora Maria Ribeiro, vemos o próprio Domingos Oliveira nos contar da precariedade (pouco dinheiro, pouca película e, portanto, muita improvisação e nada de repetições) com que a maioria das cenas de "Todas as mulheres do mundo" foi filmada e de como tais dificuldades acabaram por ajudar a construir a linguagem singularmente leve alcançada pela narrativa.

Um filme de e sobre o amor e suas agruras...
assim é o delicioso "Todas as mulheres do mundo".



O que não consegui compreender é o por quê de "Juventude" ter tido aqui em Sampa uma sessão tão vazia.
Sério, não havia dez pessoas na sala de cinema e, não esqueçamos, a sessão foi gratuita!
Além disso, ou, talvez, até por isso, a recepção do público foi fria, quieta, sem risadas, num filme tipicamente Domingos Oliveira, ou seja, bem-humorado até nas más notícias.

Fiquei tentando entender...

terça-feira, 21 de julho de 2009

O estrangeiro Caetano

Acabei de ver "Coração Vagabundo", filme de Fernando Grostein Andrade sobre Caetano Veloso e sua turnê internacional do disco "A Foreign Sound", entre os anos de 2003 e 2005.

Ver filme de graça é bom.
Mas, ver filme bom de graça é melhor ainda!
A sessão foi uma pré-estreia feita no Cine Bombril e, claro, contou com as tradicionais filas quilométricas paulistanas horas antes do evento...
Valeu a pena.



O diretor, Fernando Grostein Andrade, é um cara novo, 28 anos, que caiu nas graças de Paula Lavigne e sua Natasha Filmes, como ele mesmo tratou de contar no debate pós filme.

O filme tem pontos altos como as presenças de Almodóvar e Antonioni, além das falas e comentários sempre inspirados - para o bem ou para o mal - de Caetano.

Risadas garantidas por boas tiradas e momentos inesperados, tentativas de captar um Caetano um tanto perdido, estrangeiro em mundos estranhos como, por exemplo, um templo budista japonês.

Em uma das histórias, Caetano nos conta que seu filho mais velho, Moreno, em visita a Londres ainda criança afirmou:
- Pai, aqui parece Santo Amaro!
E Caetano completa:
- E não é que parece mesmo...

Caetano é, pois, estrangeiro e cosmopolita;
eterno filho de Santo Amaro com um carregado sotaque baiano
e o músico de talento que encanta os mais diversos mundos com sua linguagem.

Trailer do filme aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=uz8tUA-qMdk


O momento filme do dia foi, já na fila, ser abordada junto a minha amiga Nana por uma mulher.
Ela, instigada, perguntou já com cara de vontade:
- Essa fila grande é para que?

Pelo tamanho da fila acho que ela entraria com qualquer resposta.

La vie en "caramelo"!


Já viu "Caramelo"?

É uma produção franco libanesa de 2007, que concorreu ao Oscar e só veio chegar aos nossos cinemas esse ano.

Talvez a sensibilidade e beleza presentes neste filme se devam a direção feminina de Nadine Labaki.
O roteiro e a direção são dela, além da atuação da personagem Layale, que vive uma das histórias mais belas do filme.

Nadine Labaki é uma surpresa.
Mulher, num espaço dominado pelos homens há tanto tempo, o cinema;
Roteirista, de uma história que fala corajosamente do feminino - sem "engajamento" enlatado;
Diretora, que imprime personalidade e estilo a um filme que poderia ter sido um amontoado de historinhas;
E, finalmente, atriz, com os olhos mais profundos e belos que vi nos últimos tempos...
A foto acima é de Nadine.

Se Machado de Assis tivesse conhecido Nadine Labaki, talvez, a quisesse como exemplo de Capitu e seus olhos de ressaca.
Quando Nadine aparece em cena com a sua relegada Layale não se pode olhar para qualquer outro lugar que não seus olhos, sua beleza.

Em certo momento do filme, visto ao lado de alguém querido e também sensível ao tema, surgiu, insistentemente em minha cabeça a canção composta por John Lennon e Yoko Ono em 1972 "Woman is the niger of the world".
O querido comentou, quase que simultaneamente:
- Nossa, como é difícil ser mulher..!

O filme denota sim um certo sofrimento e submissão do feminino e, por isso, fica compreensível o surgimento das leituras feitas acima.
Mas, o filme é tão feminino - com a melhor interpretação que esta referência possa sugerir - que a beleza e alegria típicas do mundo das mulheres sutilmente tomam conta de toda a história que se desenrola em frente aos nossos olhos.

Sabe desses filmes que dá vontade de ver novamente no dia seguinte?

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Quando é que a vida é filme?

Esse blog surge com a ideia de registrar certos momentos da vida que parecem filme.

Já há algum tempo me dedico a procurar perceber esses instantes.
Digo perceber porque, muitas vezes, eles são rápidos e, sempre, passageiros como instantes fotográficos mesmo.
Quanto a isto reconheço como o cinema está muito próximo da fotografia em seu objetivo de criar imagens que carreguem significado.
Isto pode soar óbvio, já que o cinema tem como base os fotogramas e etc. e tal, mas me refiro aqui ao ideal poético buscado por estas duas maneiras de fazer arte, ao olhar sensível aos fatos.



Esclareço, ou, ao menos, tento, com um exemplo que me aconteceu dia desses:

Semana passada eu estava no cinema esperando sentada em frente à sala na qual assistiria ao filme ("Há tanto tempo que te amo", de Philippe Claudel, só pra não deixar no vácuo).
A sala abriu e as pessoas começaram a entrar.
A sessão seria cheia, como em breve eu constataria. Decidi, então, esperar um pouco e deixar a muvuca em frente à sala diminuir um pouco.
Um casal de senhores resolveu comprar uma daquelas pipocas gigantes - no tamanho, preço e barulho - e seguiu para a entrada da sala de cinema.
De repente, a pipoca salta das mãos da senhora e ela, em desespero e em vão, ainda tenta alcançá-la.

Pipocas ao chão,
pessoas em polvorosa entrando na sessão de cinema,
algumas desviando,
outras desistem;
Pisam,
passam a pisar
E então, acontece:

o barulho: CROCK, CROCK, CRECK, CROCK, CRECK...

A senhora ainda se importa, mas só por um tempo.
O marido faz um gesto,
- Desista!
e ela entra, resignada, ao seu lado.

O som, no entanto, fica.

E que som inesperadamente belo...

Pois é, tipo assim.
=)